A Síndrome de Irlen (S.I.) é uma alteração visuoperceptual, causada por um desequilíbrio da
capacidade de adaptação à luz que produz alterações no córtex visual e déficits na leitura. A
Síndrome tem caráter familiar, com um ou ambos os pais também portadores em graus e
intensidades variáveis. Suas manifestações são mais evidentes nos períodos de maior demanda de
atenção visual, como nas atividades acadêmicas e profissionais que envolvem leitura por tempo
prolongado, seja com material impresso ou computador¹.
A caracterização desta síndrome foi feita pela psicóloga Helen Irlen, com um estudo prospectivo
envolvendo centenas de adultos considerados analfabetos funcionais pela leitura deficiente e baixa
escolaridade. O estudo, aprovado e financiado pelo Governo Federal Americano, foi apresentado
perante a Associação Americana de Psicologia em Agosto de 1983.
A pesquisadora concentrou seus estudos nos sintomas “visuais” que estes adultos apresentavam,
denominando-os de Síndrome da Sensibilidade Escotópica - fazendo alusão ao escuro – devido à
preferência por locais menos iluminados durante tarefas com maior exigência visual. Além da
fotofobia, cinco outras manifestações podiam estar presentes: problemas na resolução viso-espacial,
restrição de alcance focal, dificuldades na manutenção do foco e astenopia e na percepção de
profundidade².
A fotofobia geralmente se manifesta através de queixas de brilho ou reflexo do papel branco, que
compete com o texto impresso e desvia a atenção do conteúdo a ser lido, comprometendo a atenção.
Luzes fluorescentes são particularmente desconfortáveis e geram irritabilidade. Até mesmo a luz
solar direta, faróis de carros e postes à noite causam incomodo aos portadores da SI e cefaléias por
essa exposição³. Em muitos casos, há hábito de uso constante de óculos de sol.
As alterações da habilidade de resolução viso-espacial produzem sensação de desfocamento e de
movimentação das letras que pulsam, tremem, vibram , aglomeram-se ou desaparecem, impactando
na atenção e compreensão do texto que esta sendo lido. As distorções à leitura foram também objeto
de relatos por parte de outros autores como Meares (1980), Whiting (1985) e Robinson & Miles
(1987)4,5,6.
Ilustram como um portador da Síndrome de Irlen percebe um texto durante a leitura prolongada.
A restrição do foco limita a abrangência visual e reduz o número de letras apreendidas fazendo
com que palavras sejam vistas parceladamente, o que requer uma segunda etapa associativa para
coerência e compreensão. A restrição no alcance focal pode ainda causar dificuldades na
organização do texto em segmentos significativos ou porções sintáticas, sendo esta uma
característica presente em leitores deficientes. Em geral, bons leitores ampliam progressivamente o
campo de visão, passando a reconhecer as palavras familiares pelo conjunto ou lexicalmente de
forma a registrar as pistas visuais necessárias para uma interpretação rápida e correta do significado
do texto naquele ponto.
As dificuldades na manutenção da atenção do foco, pelo fato do texto impresso apresentar-se
menos nítido ou desfocado após um intervalo variável em leitura, produz estresse visual ou
astenopia.
A astenopia, sempre presente em intensidade variável, se caracteriza pelo desconforto visual
associado à sensação de ardência e ressecamento ocular, aumento da necessidade de piscar, olhos
vermelhos e lacrimejantes, necessidade de coçar e apertar os olhos, com mudanças na posição e
distância da cabeça até o papel impresso, sonolência e busca de pausas para “descanso visual”.
As dificuldades com percepção de profundidade, habilidade que possibilita a correta avaliação
tridimensional, tem impacto direto em atividades como dirigir, estacionar, prática de esportes com
bola, de movimento em geral, descer e subir escadas, atravessar portas, passarelas, usar escadas
rolantes entre muitas outras situações cotidianas, nas quais a antecipação visual constitui fator de
segurança e rapidez de ajuste ao ambiente.
Os sintomas físicos da S.I. são essencialmente oculares, ocorrendo lacrimejamento, prurido e
ardência ocular, tendência à esfregar os olhos e/ou tampar/fazer sombra enquanto lê, apertar e/ou
piscar os olhos excessivamente, balançar ou tombar a cabeça, sensação de cansaço após 10 a 15
minutos de leitura - que é feita preferencialmente na penumbra - além de história familiar de
dificuldades com leitura e fotofobia.
A prevalência é alta, pois atinge de 12-14% da população em geral, incluindo bons leitores e
universitários e torna-se proporcionalmente mais frequente quando há concomitância com déficits
de atenção e Dislexia (33 a 46% dos casos). Estudo recente, realizado em escola municipal da rede
publica em Belo Horizonte, detectou ainda uma incidência de 17% entre alunos com dificuldade de
leitura7.
Atualmente estão sendo revistas as relações entre as lesões pós-traumáticas, envolvendo o cérebro,
e os comprometimentos secundários da eficiência visual com exacerbação da fotossensibilidade e
déficits na oculomotricidade, gerando impactos na leitura, aprendizagem, memória e estabilidade
emocional. Sabe-se que também podem ocorrer na Dislexia, Déficits de Atenção e Hiperatividade,
no Autismo e durante o uso de certos medicamentos. Como os sintomas são semelhantes, o
diagnóstico diferencial é indispensável para que a conduta ideal seja adotada o mais precocemente
possível, uma vez que a intervenção gera benefícios nas outras áreas do processamento, como as
auditivas, motoras e cognitivas8.
São sintomas comuns: a confusão entre os números, percepção de distorções visuais em páginas de
texto, leitura de palavras de baixo para cima e inversão de letras e palavras, espaçamento irregular,
dificuldades em manter-se na linha ao escrever, lentidão e baixa compreensão. Entretanto inexistem
outros aspectos que facilitarão na condução de um diagnostico diferencial satisfatório. Na Síndrome
de Irlen, ao contrario da Dislexia, estarão ausentes as alterações na percepção auditiva, escrita
invertida, pronuncia incorreta, dificuldade na aquisição da fala e escrita, escrita espelhada e déficits
na compreensão de ordens verbais, cuja intervenção será supervisionada por fonoaudiólogos. Do
mesmo modo, a prolixidade, impulsividade, falta de autocontrole pessoal ou em grupo, agitação e
hiperatividade física são componentes dos quadros de déficits de atenção e hiperatividade e a
intervenção medicamentosa, quando recomendada, será feita pelo neurologista responsável pela
coordenação destes atendimentos multidisciplinares.
Sejam em comorbidade, ou isoladamente, estes distúrbios provocam uma série de manifestações
semelhantes e por isto, diversos autores preconizam o rastreamento da Síndrome de Irlen em
crianças com dificuldades na leitura, fotossensibilidade e manutenção da atenção aos esforços
visuais prolongados, como uma forma de evitar diagnósticos equivocados de Dislexia, DTA e
TDAH e ainda para minimizar a medicação em pacientes onde a agitação e desatenção são
resultantes do estresse visual e dificuldade em se ajustar às condições de luminância de uma sala de
aula, por exemplo.
Imagens captadas por Ressonância Magnética Funcional de um paciente portador de Síndrome de Irlen onde se observa
a hiperexcitabilidade cortical durante a leitura sob estresse visual e após a interposição de filtros seletivos individuais.
(Copyright Steve Stanley, Australia)
A identificação da Síndrome é feita por profissionais da saúde e educação devidamente capacitados
a identificar (teste de screening ou rastreamento) os portadores da síndrome, através da aplicação de
um protocolo padronizado conhecido como Método Irlen, e classificar o grau de intensidade das
dificuldades visuoperceptuais dos casos suspeitos9. O teste de screening é feito após avaliação da
acuidade visual e sob correção refracional atualizada, quando necessária. Pelo screening
verificamos os benefícios, com a supressão das distorções visuais, pela interposição de uma ou mais
transparências coloridas selecionadas individualmente pelo portador da Síndrome de Irlen.
Aplicação do Método Irlen onde ocorre a indução de estresse em atividades com alta demanda “visuoatencional” e
posterior supressão após a sobreposição de uma lâmina colorida individualmente selecionada.
Uma vez determinada a transparência ideal o portador passa a usá-la sobre o texto durante a leitura
ou cobrindo a tela do computador enquanto lê, obtendo benefícios imediatos no conforto visual,
fluência e compreensão.
A neutralização das distorções facilitará o reconhecimento das palavras lidas, mas obviamente não
permitirá que a pessoa leia palavras que não sabe. Para estes indivíduos, a leitura sempre foi
sinônimo de dificuldade e a rejeição tornou-se um habito incorporado – é preciso considerar que
pode haver anos de atraso em relação aos leitores regulares que puderam adquirir um substancial
vocabulário visual de reconhecimento instantâneo. Obviamente, o aprendizado das palavras será
facilitado por não mais se apresentarem distorcidas – mas a assistência ao aprendizado será
importante e sem ela a leitura permanecerá sendo uma atividade difícil e estressante.
Do mesmo modo, o uso de filtros não será o único fator necessário para o aperfeiçoamento no
desempenho da leitura, porém nos casos de Síndrome de Irlen a opção pelo tratamento significará
um recurso não invasivo, de baixo custo e alta resolutividade, possibilitando a seus usuários uma
potencialização dos benefícios aferidos aos seus esforços acadêmicos e profissionais, além de
facilitar o trabalho da equipe multidisciplinar que os assistem.
É interessante observar que a boa parte dos portadores não tem consciência de suas distorções à
leitura, como estas aparecem após um tempo médio de 10 a 15 minutos de leitura, eles pressupõem
que isto ocorra a todos – sem se dar conta de que a dificuldade é só deles - e mais ainda se
estiverem sob excesso de luzes fluorescentes, contraste, cores fortes, muito volume de texto por
pagina, letras menores e impressão em papel brilhante. O mais preocupante é que esta é exatamente
a situação em que se aplica a prova do ENEM - centenas de estudantes com Síndrome de Irlen não
identificada terão seu desempenho prejudicado pelo estresse visual e hipersensibilidade à luz,
cansaço progressivo e dificuldade em manter a atenção por tempo prolongado, com erros na
transferência de gabaritos e falta de compreensão por déficits na eficiência visual.
Classicamente, os profissionais envolvidos com a triagem, diagnóstico e tratamento dos Distúrbios
de Aprendizagem são os psicólogos, pedagogos, neurologistas, fonoaudiólogos, psiquiatras e
pedagogos, cabendo ao oftalmologista a identificacao e tratamento dos distúrbios visuais, um papel
incorretamente considerado secundário neste trabalho multidisciplinar. Tradicionalmente o
oftalmologista concentra sua atenção na aferição da acuidade visual, correção refracional quando
necessária, e identificação de patologias (catarata, glaucoma, estrabismo, etc). Porém a visão é o
sentido mais importante na aprendizagem, com uma dependência estimada em 80% até os 12 anos
de idade, e os impactos dos déficits neurovisuais são sempre significativos, e no entanto a sua
identificação pelo exame oftalmológico padrão seria insuficiente, pois o oftalmologista atual
privilegia a acuidade da visão e fatores ligados ao trabalho ocular, além de condições ópticas. Mal
comparando, seria como avaliar o computador (hardware), quando o paciente possui déficits no
processamento visual cerebral (software).
É relevante assinalar que o “conceito de visão” que o oftalmologista possui determinará a forma
como aborda as queixas e sintomas visuais dos pacientes com distúrbios de aprendizagem. As
conclusões geradas de seus exames e a forma como investiga as relações entre elas dependerão não
apenas do tipo de exame realizado, mas também de seu conhecimento clínico na área específica, das
queixas fundamentais, do direcionamento de sua anamnese e ainda de sua capacidade de interação
com os demais profissionais da área de saúde e educação, com os quais passará a se relacionar não
mais de forma passiva, mas como interventor e facilitador das decisões trans e multidisciplinares
que afetarão o futuro escolar desta população10.
Referências:
1- Irlen H. The Irlen Revolution. New York, Square One Publishers, 2010
2 - Irlen H. Reading by the colors. New York, The Berkley Publishing Group, 1991
3 - Guimarães MR, Guimarães JR, Guimarães R et all. Selective spectral fiulters in the treatment
of visually induced headaches and migraines: a clinical study of 93 patients. T 29. Headche
Medicine, 1 (2): 72, 2010.
4 - Meares,O. Figure/ground, brightness contrast, and reading disabilities. Visible
Language,14,13-29, 1980.
5 - Whiting,P.R. How difficult can reading be? New insight into reading problems.
J.Eng.Teach.Assoc. 49,49-55. 1985.
6 - Robinson ,G.L. and Miles,J. The use of colored overlays to improve visual processing – a
preliminary survey. The Except.Child. 34, 65-70.1987.
7 - Faria L N. Frequência da Sindrome de Meares-Irlen entre alunos com dificuldades de
leitura observadas no contexto escolar. [Tese Mestrado]. Belo Horizonte:Universidade Federal de
Minas Gerais, 2011.
8 - Tallal P. Auditory temporal perception, phonics and reading disabilities in children. Brain
Lang, 9(2): 182-98, 1980.
9 - Guimarães MR. Distúrbios de Aprendizado Relacionados à Visão. Rev Fund Guimarães
Rosa. 3(4): 16-9, 2009.
10 - Ventura, LO; Travassos, SB; Da Silva, OA; Dolan, MA. Dislexia e Distúrbios de
Aprendizagem. Rio de Janeiro, Cultura Médica, Cap.18 p.159-174, 2011.