Este texto se presta a tentar jogar um pouco de luz a respeito da relação teórica da Psicanálise com relação as doenças Psicossomáticas. O objetivo é tentar levar ao conhecimento do leitor de uma maneira básica e inteligivel alguns aspectos importantes desta temática no campo analítico. Muitos psicólogos/Psicanalistas, por desconhecerem as produções teóricas dos autores contemporâneos, permanecem reféns do conceito popular de doença psicossomática segundo o qual afecções dessa natureza são distúrbios orgânicos motivados por conteúdos de ordem psíquica. Essa é uma definição pouco útil e que não faz jus à complexidade e delicadeza do problema.É muito comum encontrar também não apenas leigos, mas estudantes e profissionais de psicologia e até mesmo psiquiatria que irrefletidamente pensam o sintoma psicossomático como sendo ocasionado apenas pelo fato de o indivíduo não poder se expressar pela fala. Como veremos, tal concepção não é de todo equivocada, mas requer maiores esclarecimentos para que não se seja levado ao absurdo de recomendar uma mera explicitação desordenada (catarse) como estratégia terapêutica para pacientes psicossomáticos. Caso não queiram ler o que virá a seguir, fixem na memória apenas a fórmula seguinte.: Sintoma psicossomático é diferente de Histeria Conversiva (Fenichel 2005) Esperamos também que os conteúdos que aqui serão abordados possam auxiliar àqueles que efetivamente sofrem com sintomas psicossomáticos a discernirem melhor os fatores que podem ter levado ao desenvolvimento da enfermidade e motivá-los a buscar a ajuda de um psicanalista. Mesmo não entrando na profundidade teórica dos autores estudados, faremos a tentativa de compreensão, baseada na experiências clínicas destes autores, na qual experimentaram (e experimento) o contato com a psicossomática no interior do dispositivo analítico padrão, na qual, começam a aparecer em em consultório , pacientes cujas manifestações mais proeminentes são de ordem orgânica, levando -os a buscar entender o significado desses fenômenos na clínica. Para tal entendimento, a maioria dos autores relata uma singularidade ao observarem em pacientes um modo peculiar de lidar com os próprios afetos. Tais indivíduos pareciam agir como se seus afetos não existissem. Seu discursos eram mecânico, sem vida e frente a acontecimentos intensos de sua existência eram capazes de reagir com toda a resignação do mundo. Ao mesmo, comportando-se dessa forma, faziam com que no analista brotassem os mais vivos afetos. Diante destas observações se pode observar que a tríade se faz presente: O sintoma psicossomático, a Ausência de afetos e a Estimulação de afetos no analista. Buscando sustentação na obra de Freud a respeito ds afetos, se encontra a teoria clássica : "Os afetos são manifestações psíquicas do afluxo (movimento de eletricidade a um ponto; Chegada de grande quantidade) de energia pulsional" Na medida em que o acúmulo dessa energia gera um afeto desprazeroso, o indivíduo deve empregar estratégias para descarregá-la. Todavia, como a descarga total é impossível, a saída é fazer essa carga energética (energia psiquica) circular entre representações de modo a “drená-la”. Essa é a estratégia utilizada pela maior parte de nós. O que contemporâneamente poderemos entender é que este processo natural de "drenagem" dessa energia, se pode ser aprendida e empregada se o indivíduo, ainda bebê, tiver experimentado um ambiente que utilizou essa mesma estratégia para com ele antes que tivesse capacidade para tal. Sejamos mais claros:Logo ao nascer, o bebê não dá conta de drenar a energia psíquica pulsional que desde o nascimento já dá o seu ar da graça porque ele ainda não possui representações para as quais drenar o afluxo energético. Mas a mãe as possui! E por possuí-las, ela deve exercer para o bebê a tarefa denominada por McDougall de “pára-excitação” a qual, em termos simples, significa fornecer ao bebê palavras, significantes, representações aos quais o bebê possa investir a energia pulsional e se libertar do poder ameaçador dela. Para dar um exemplo, as mães fazem isso sem saber quando brincam de nomear as partes do corpo da criança: “Esse é seu pezinho; esse é seu narizinho” e durante as “conversas” com o bebê ainda quando esse não sabe falar. É importante lembrar que para que a palavra cumpra sua função de representação, o bebê não precisa enunciá-la, basta que ele a ouça. Pois bem. Nem todo indivíduo conta com um ambiente que funciona adequadamente assim. E aí, quando o bebê não conta com essa função de para-excitação, ele é deixado na "cova dos leões pulsionais." Não é que a pulsão seja naturalmente má. É que ela é pulsão, ou seja, força ininterrupta que demanda trabalho. Então, se não há ferramentas (representações) com as quais trabalhar, logo o indivíduo só tem contato com a força! E essa força excede a tal ponto as capacidades de resistência do bebê que passa a ser sentida por ele como uma angústia inominável, isto é, que não se tem palavras para descrever. Desafetação Em tais casos, a única saída que resta para o bebê se constituir minimamente é se cegar para não ver a pulsão (energia de trabalho mental), o que se chamae de “ejetar o afeto do psiquismo” ou “desafetação”. É óbvio que a pulsão continua presente, mas o indivíduo passa a viver como se ela não existisse, de modo que ele utiliza dela apenas o mínimo suficiente para se manter vivo, mas sem fazer dela uso libidinal (desejo) algum, concebendo-a como potencialmente aniquiladora. São esses os pacientes somatizantes que se encontra em clínica. É justamente por isso que eles aparentam não sentir nada. É que qualquer afeto um pouco mais intenso é sentido por eles como semelhante à situação de desespero que viveram quando bebês. Eles utilizam então a mesma defesa que outrora: ejetam do psiquismo o afeto, tornando-se desafetados. O problema é que o afeto que foi expulso do psiquismo não foi destruído, mas retornou a seu lugar de origem. Que lugar é esse? O próprio corpo. Entretanto, o corpo não é capaz de suportar tamanha carga energética, pois nós não somos apenas corpo. Somos corpo e psiquismo. Assim, boa parte dessa carga energética deveria ter sido distribuída entre as representações. Por não dar conta de comportar tamanho volume afetivo ressomatizado, o corpo irá sofrer prejuízos. Com efeito, quanto maiores forem as cargas afetivas ressomatizadas, maior impacto o corpo sofrerá e mais graves serão as lesões produzidas. Tratamento Acerca da estimulação de afetos no analista no tratamento de pacientes desafetados, trata-se de um fenômeno que ocorre não apenas na relação com o analista, mas também com outras pessoas do convívio do indivíduo. Se expressa pela tendência de pacientes desafetados em fazer com que o outro experimente os afetos que não lhes são possíveis de serem experimentados na esperança de comunicar ao outro o estado desesperador em que o indivíduo se encontra por não poder experimentar os próprios afetos. É como se o indivíduo estivesse dizendo: “Sinta por mim, já que eu não posso…”(L.Napoli). O fato de o paciente desafetado não ter contado com um ambiente que exerceu de maneira efetiva a função de para-excitação não significa que ele seja pobre em representações. Essas podem inclusive ser mais abundantes do que em pacientes neuróticos. A diferença é que no primeiro caso elas são pouco investidas afetivamente. baseado no texto de L. Napoli.