“Eu
não sabia o que fazia as pessoas quererem ser amigas. Eu não sabia o
que as fazia querer ser atraentes umas para as outras. Eu não sabia o
que eram interações sociais.”
“Eu não me sinto culpado por nada. Eu sinto pena de quem se sente culpado.”
“Eu sou o mais frio filho da puta no qual você já colocou seus malditos olhos. Eu não dou a mínima para aquelas pessoas.”
Essas
assustadoras frases de Ted Bundy claramente resumem as principais
características de um psicopata: uma pessoa insensível, manipuladora,
sem empatia, impulsiva, e incapaz de sentir culpa ou remorso.
Quando
falamos em criminosos psicopatas, logo nos vem a cabeça um sujeito
completamente louco segurando uma moto-serra na mão. Filmes, séries e
até reportagens de TV tendem a mostrar aos espectadores que toda pessoa
que comete um crime hediondo é um psicopata. Mas muitas das vezes, o
assassino tachado de psicopata pela sociedade cometeu seu crime durante
um surto psicótico, e psicose e psicopatia são duas coisas completamente
distintas. Psicose e psicopatia são diferentes tipos de transtornos
mentais. Psicose é a completa perda do senso de realidade, já a
psicopatia é um transtorno de personalidade, assim como o transtorno de
personalidade narcisista. Os transtornos de personalidade são
permanentes enquanto que as perturbações psicóticas podem ser
controladas mediante administração correta de medicamentos
neurolépticos.
Psicopatas
são calculistas e manipuladores, mas eles não sofrem de alucinações ou
delírios. Eles não ouvem vozes de estranhos em suas cabeças dizendo
sobre elaboradas teorias conspiratórias. Muitos assassinos em série tem
como principal motivação para seus crimes os delírios, muitos bizarros,
decorrentes de uma perturbação psicótica. O serial killer Carl Eugene
Watts estrangulou várias mulheres porque ele viu o mal em seus olhos.
Belle Sorenson Gunnes matou seus maridos porque ela acreditava que eles
eram homens demoníacos. Ed Gein mutilou, esfolou e esviscerou corpos
porque ele queria ser uma mulher e acreditava que ele precisava de
partes de corpos femininos para ser uma (ou talvez para fazer uma
réplica de sua mãe). Richard Trenton Chase bebia e se banhava no sangue
de suas vítimas. Ele acreditava que tinha que fazer isso para evitar que
os nazistas transformassem seu sangue em pó com um veneno que eles
escondiam debaixo de uma saboneteira. Joseph Kallinger embarcou numa
missão homicida após receber ordens de uma cabeça flutuante chamada
Charlie.
Mais uma
vez, psicose e psicopatia são dois transtornos mentais completamente
diferentes, e saber diferenciá-los é importante para a não proliferação
do falso conhecimento.
O Nascimento de um Psicopata
As causas
da psicopatia permanecem um mistério. Nós não temos sequer uma resposta
satisfatória para a questão: A psicopatia é um produto da mãe natureza
ou da infância?
Uma
tentativa de dar uma resposta a essas questões vem com a criminologia
biossocial, uma perspectiva interdisciplinar emergente que procura
explicar o crime e comportamentos anti-sociais através de múltiplos
fatores, dentre eles: os fatores genéticos, neuropsicológicos,
ambientais e evolutivos. Nos últimos anos houve, de certa forma, um
renascimento dos estudos nessa área; estudos estes mais sofisticados e
com capacidade de analisar o poliformismo genético e o funcionamento
cerebral de psicopatas. Tais estudos tem como principio entender como os
fatores biológicos e genéticos interagem com o ambiente e conduzem a
diferentes propensões para o comportamento anti-social. A criminologia
biossocial sustenta que os efeitos biológicos e genéticos são reduzidos,
ou até mesmo inexistentes, a menos que estejam emparelhados com um
ambiente criminogênico (ex.: disfuncionalidades familiares). Os genes,
portanto, não seriam de todo deterministas, porém, indicariam a
probabilidade do sujeito apresentar comportamentos anti-sociais.
Caminhando
para a área da genética, existem três campos de estudos que visam
investigar a relação da genética/ambiente na formação de uma mente
psicopata: estudos com gêmeos, estudo com adotados e estudos em genética
molecular. Tais estudos são ponderados com as influências do ambiente
compartilhado (ambiente comum a todos os irmãos de uma família), do
ambiente não compartilhado e da hereditariedade. Hoje, a principal
conclusão desses estudos é de que a combinação entre predisposição
genética + ambiente criminogênico teria como resultado o comportamento
anti-social.
O “Estudo de Gêmeos Criados Separadamente de Minnesota”
foi um projeto originalmente liderado pelo professor de psicologia
Thomas Joseph Bouchard Jr. e mostrou que a psicopatia é 60% hereditária.
Esse percentual indica que traços psicopáticos são mais associados ao
DNA do que à criação.
Outros recentes estudos genéticos de gêmeos
indicam que gêmeos idênticos podem não ser tão geneticamente similares,
como até então acreditava-se. Apesar de apenas algumas centenas de
mutações ocorrerem durante o desenvolvimento fetal, elas provavelmente
se multiplicam ao longo dos anos, levando a enormes diferenças
genéticas. Isso deixa aberta a possibilidade de que traços psicopáticos
são, em grande parte, determinados geneticamente.
As Raízes da Psicopatia
Publicado em 2008, o estudo “Criminals in the Making”,
dos criminólogos John Wright, Stephen Tibbetts e Leah Daigle, indicou
que tanto a estrutura cerebral como o seu funcionamento estariam
envolvidas na etiologia da violência, agressão, crime, e até mesmo da
psicopatia. Em outras palavras, a estrutura e a forma como o cérebro de
algumas pessoas funcionam seriam o segredo para entender o comportamento
violento e até mesmo as origens da psicopatia.
Nesse
sentido, e tomando outros estudos como referência, duas áreas cerebrais
parecem estar consistentemente envolvidas quando pronunciamos o nome
psicopata: o sistema límbico (composto pela amígdala, hipocampo e
tálamo) e o córtex pré-frontal.
O sistema
límbico é essencial para a regulação de nossas emoções mais complexas e
de nossos estados afetivos e motivacionais. Ele estaria relacionado à
psicopatia através da criação de certos impulsos, como por exemplo, a
raiva e o ciúme, que são facilitadores para a prática de atos violentos.
O córtex
pré-frontal, uma região cortical na parte frontal do cérebro, é o
responsável pelas funções de ordem superior executivas, como por
exemplo, a capacidade de adiar a gratificação e controlar os impulsos.
Ele é uma estrutura interligada com o sistema límbico, sendo o córtex
pré-frontal o responsável por reprimir os impulsos gerados a partir das
estruturas límbicas.
Segundo
alguns estudos, um sistema límbico hiperativo mais um córtex pré-frontal
hipoativo seria a combinação perfeita para o desenvolvimento da
psicopatia.
Esta anormalidade foi identificada em um estudo da Universidade de Wisconsin.
Scans cerebrais revelaram que a psicopatia em criminosos estava
associada a uma diminuição da conectividade entre a amígdala, uma
estrutura subcortical do sistema límbico que processa estímulos nocivos,
e o córtex pré-frontal, que interpreta a resposta da amígdala. Quando a
conectividade entre essas duas regiões é baixa, o processamento de
estímulos nocivos na amígdala não se traduz em nenhuma emoção negativa
sentida. E isso se encaixaria muito bem na imagem que temos de
psicopatas. Eles não se sentem ansiosos ou envergonhados quando são
pegos fazendo algo ruim. Eles não ficam tristes quando outras pessoas
sofrem. Apesar de sentir dor física, eles não estão numa posição de se
machucarem emocionalmente.
O estudo
da Universidade de Wisconsin mostra uma correlação entre psicopatia
criminal e anormalidade no cérebro. Como essa anormalidade cerebral, na
maioria dos casos de criminosos psicopatas, não é adquirida, há uma boa
razão para pensar que ela está fundamentada no DNA do indivíduo.
À mesma
conclusão já havia chegado o neurocientista norte-americano Jim Fallon,
que nos anos 90 conduziu estudos com psicopatas assassinos.
“Um
certo grupo (assassinos) tinha sempre uma lesão no córtex
orbitofrontal, acima dos olhos. Outra parte que parecia não funcionar
bem era a parte frontal do lobo temporal que abriga a amígdala, o local
onde nossas reações se tornam diferentes das dos animais”, disse Fallon no documentário What Make Us Good or Evil, da rede britânica BBC.
Cada vez
mais surgem evidências de que o cérebro dos psicopatas apresentam
alterações, sobretudo no que remete ao córtex pré-frontal. Algumas
pesquisas com ressonância magnética trouxeram resultados incríveis, que
mostram que indivíduos com transtornos de personalidade anti-social
apresentam redução de 11% (em média) da massa cinzenta pré-frontal, e
isso é significativo já que o córtex pré frontal é uma área associada a
sentimentos de vergonha, culpa, constrangimento (uma adequação social).
Como demonstrado nessas pesquisas, os psicopatas apresentam uma menor
quantidade de matéria cinzenta no córtex pré-frontal e por consequência
as respostas sociais não podem ser iguais das pessoas com o córtex
pré-frontal “normal”. Isso não pode ser levado como uma
verdade absoluta, mas de acordo com essa perspectiva um psicopata
apresentaria menor resposta autonômica a um estressor social por ter
menor quantidade de matéria cinzenta no córtex pré-frontal.
Em
assassinos foi verificado que existe uma redução no metabolismo da
glicose no córtex pré-frontal, isso indica que essa estrutura cerebral
atua como “freio” para os impulsos gerados no sistema límbico.
Há, no
entanto, algumas limitações nesses estudos. Eles foram realizados com
psicopatas que cometeram crimes de assassinato, e sabemos muito bem que a
maioria dos psicopatas não são assassinos. Sabemos que psicopatas são
manipuladores, agressivos, impulsivos, e que não sentem empatia por
outras pessoas, entretanto, tais características estão longe de
conduzí-los ao assassinato. Nesse sentido, e quando pronunciamos a
palavra psicopata, temos níveis de atuação criminal extremamente
diversificados. Psicopatas podem não matar (diretamente), mas podem
desviar dinheiro de hospitais públicos, praticar o crime de burla… E
isso faz surgir uma pergunta: Os psicopatas com manifestação mais tênue
da perturbação teriam também essa atividade entre a amígdala e o córtex
pré-frontal reduzida? Não há resposta. Outra limitação do estudo é que
ele não mostra se a redução da interatividade entre a amígdala e o
córtex pré-frontal é uma deficiência especificamente ligada à
psicopatia. E as condições mentais que têm sido associadas a crimes
graves, como a esquizofrenia paranóide e os fetiches sexuais extremos?
Embora os estudos, como o de Wisconsin, lancem alguma luz sobre as origens da psicopatia, ela permanece intrigante.
Indo ao outro extremo, alguns especialistas tem discutido formas de ensinar psicopatas a, digamos, ser mais humanos.
Elsa Ermer e Kent Kiehl, da Universidade do Novo México,
em Albuquerque, descobriram que psicopatas têm dificuldades em seguir
regras baseadas na sensibilidade moral, apesar de compreendê-las
perfeitamente. As emoções reprimidas de psicopatas parecem desempenhar
um papel que os impede de seguir regras. Mas essa deficiência,
possivelmente, é corrigível. Sabemos que pessoas com transtorno do
espectro autista têm dificuldades em captar regras sociais ou fazê-las
da maneira correta em determinados contextos sociais. Mas eles podem
aprender. Por exemplo, eles podem aprender a fazer contato olho no olho,
aprender a realizar contatos de forma indireta, podendo assim aprender a
manifestar interesse em outras pessoas. Às vezes, isso requer anos de
treinamento com um terapeuta ou profissional da saúde. Eles têm que
aprender a fazer o que os outros sabem instintivamente pela interação
com membros da família e colegas. Se as pessoas com alto grau de
autismo, uma doença hereditária, podem aprender os sinais sociais,
então, presumivelmente, alguns psicopatas poderiam aprender a seguir
regras morais, passando por um treinamento intensivo. Um tipo de
experimentação poderiam ser programas de treinamentos que aumentassem
artificialmente o processamento de emoções negativas e, em seguida,
ensiná-los a associar essas emoções negativas com más ações, moralmente
inaceitáveis. Para isso, alguns especialistas já sugeriram o uso de
alucinógenos, como o psilocybin.
Genes do Mal e o Fator Ambiente
Estudos de
terceira geração em genética levantam a questão de quais genes poderiam
estar envolvidos na predisposição do comportamento anti-social. Algumas
respostas começaram a surgir através da genética molecular. Quando
realizado o knockout do gene da monoamina-oxidase A (MAO-A) em ratos,
esses tornaram-se potencialmente agressivos. O knockout, em termos de
genética, significa desativar um gene para observar que tipo de
alterações isso pode acarretar e, consequentemente, determinar a nível
de genótipo qual a designação daquele gene. Pesquisas da área retratam a
ligação do gene MAO-A com a agressividade, e nas experiencias com
ratos, quando o gene MAO-A é desativado, ele se torna mais agressivo.
Quando voltam a reativar o gene, o ratinho passa a ter novamente um
comportamento normal. Isso significa que esse gene tem relação direta
com a agressividade, e uma variação dele poderia ocasionar o aumento de
agressividade. Um dos estudos que previu essa ligação foi o “Monoamine oxidase gene A (MAOA) prevê comportamento agressivo diante de provocação”.
Segundo os autores do estudo, a baixa atividade do gene MAO-A poderia
levar a uma pré-disposição para um comportamento agressivo e
desproporcional diante de situações onde o indivíduo é provocado.
Entretanto,
o desafio maior da terceira geração de estudos genéticos não é apenas
identificar quais os genes envolvidos na psicopatia, e sim como esses
genes codificam os transtornos cerebrais nos grupos de anti-sociais.
Sujeitos com polimorfismo comum no gene MAO-A apresentam 8% de redução
no volume da amígdala, no giro do cíngulo anterior (região do sistema
límbico) e no córtex pré frontal, estruturas envolvidas nas emoções e
que em sujeitos anti-sociais estão comprometidas. A hipótese é a de que
anormalidades genéticas também desencadeiam anormalidades a nível
cerebral.
É evidente
que, muito embora já se consiga hoje relacionar o crime com
predisposição genética, os processos psicossociais não podem ser
desconsiderados. Fatores ambientais no inicio do desenvolvimento
poderiam alterar de forma direta a expressão do gene, e com isso alterar
também a estrutura cerebral, resultando assim no comportamento
anti-social.
Em suma, o
ambiente social pode interagir com os indicadores genéticos e
biológicos, mas considera-se também que o comportamento violento e
criminal aumenta significativamente quando combinado esses dois fatores,
o risco biológico e o risco social.
Nós não
podemos excluir que o abuso na infância ou negligência possam ser um
fator desencadeador para a psicopatia, mas isso não é um fator que
contribui para ser um psicopata. Além disso, apesar de criminosos como
Charles Manson terem sido abusados e negligenciados quando crianças, a
lista de psicopatas serial killers que tiveram uma infância normal é
infinita. Serial killers famosos como Ted Bundy, Jeffrey Damer e Dennis
Rader cresceram em famílias normais e com apoio.
A verdade é
que ainda estamos longe de uma resposta definitiva sobre as origens da
psicopatia, e no pior dos casos, o que leva um psicopata a se tornar um
assassino e, indo mais a fundo, a resposta científica para a aberração
mental chamada serial killer. Serial killers são casos tão extremos que é
natural para nós perguntar se essas pessoas não possuem defeitos
cerebrais. Sem uma resposta definitiva, nós podemos apenas supor, assim
como fez Harold Schechter, em seu livro Serial Killers – Anatomia do
Mal:
“Parece provável que tanto a educação como a natureza podem contribuir para a criação de serial killers”.
Fontes consultadas:
Minnesota Center for Twin & Family Research;
Psychology Today (Identical Twins are not Genetically Identical);
Department Of Psychiatry, University of Wisconsin-Madison (Reduced prefrontal connectivity in psychopathy);
What Make Us Good or Evil? (Documentário BBC);
The Economist (Socially challenging);
Crime biológico: Implicações para a sociedade e para o sistema de justiça criminal (Adrian Raine);
Wright, J.P.& Tibbetts, S.G.& Daigle, L.E., “Criminals in the Making: Criminality across the Life Course”, 2008;
Caspi A, McClay J, Moffitt TE, Mill J, Martin J, Craig IW, et al. Role of genotype in the cycle of violence in maltreated children. Science. 2002;
Schmidek R. Werner, Cantos A. Geny. Evolução do Sistema Nervoso, Especialização Hemisférica e Plasticidade Cerebral: Um Caminho Ainda a Ser Percorrido. USP. 2008.
Schechter, Harold. Serial Killers – Antomia do Mal. DarkSide Books. 2013.
Patrick J., Christopher. Handbook of Psychopathy. The Guilford Press. 2007.
McDermott R, Tingley D, Cowden J, Frazzetto G, Johnson DD. Monoamine oxidase A gene (MAOA) predicts behavioral aggression following provocation. 2009.
Minnesota Center for Twin & Family Research;
Psychology Today (Identical Twins are not Genetically Identical);
Department Of Psychiatry, University of Wisconsin-Madison (Reduced prefrontal connectivity in psychopathy);
What Make Us Good or Evil? (Documentário BBC);
The Economist (Socially challenging);
Crime biológico: Implicações para a sociedade e para o sistema de justiça criminal (Adrian Raine);
Wright, J.P.& Tibbetts, S.G.& Daigle, L.E., “Criminals in the Making: Criminality across the Life Course”, 2008;
Caspi A, McClay J, Moffitt TE, Mill J, Martin J, Craig IW, et al. Role of genotype in the cycle of violence in maltreated children. Science. 2002;
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