Desumanização


Uma foto rodou o mundo na semana passada. Uma pessoa foi empurrada nos trilhos do metrô de Nova York. A estação da Times Square tinha, segundo relatos, algumas dezenas de pessoas e dentre elas um fotógrafo.  O homem tentava sair dos trilhos, escapar da morte. As pessoas em volta nada fizeram, exceto o tal fotógrafo.
Ele não tentou ajudar o homem. Ele sacou sua câmera e clicou algumas vezes o homem nos trilhos, o trem se aproximando.  Tudo, entre a queda e a morte, não teria levado mais que alguns segundos. Há divergências quantos.
Na estação, os voyeurs não moveram um músculo.  Assistiram pacientemente a morte de uma pessoa. Na estação, um fotógrafo freelancer eternizou o momento, para outros voyeurs na foto que foi estampada no New York Post com a manchete:
ESTE HOMEM ESTÁ PRESTES A MORRER.
 Há alguma diferença entre as atitudes da plataforma. Alguns se contentaram em contemplar os últimos instantes de um "condenado à morte", como, aliás, é morbidamente comum nos corredores da morte nas penitenciárias dos Estados Unidos.
O fotógrafo reagiu. Se mexeu. Mas fez o mesmo que os outros anônimos, deixou o trem passar em cima de uma pessoa. Reagiu em nome do trabalho, afinal ele é fotógrafo, faz disso sua vida. Apesar de chocante, nada espanta. Antes de tudo, antes de si mesmo, antes de qualquer coisa, aquele rapaz é fotografo. E é aquilo que ele pode ser.
Não é de hoje, nem sequer de ontem. Há muito nos definimos, nos enxergamos no mundo, a partir do ponto de vista específico: o do trabalho. Eu sou aquilo que eu faço pra viver.
Umar Abbasi, o fotógrafo, apertou várias vezes o botão da câmera buscando a melhor foto, enquanto Ki-Suck Han vivia seus últimos segundos. Afinal, antes de qualquer outra categoria, qualquer humanidade, Abbasi é fotógrafo. Viu, naquela cena, a grande oportunidade de bem realizar seu trabalho. E o fez.