Venenoso ou ingênuo, ele hoje é avaliado
não apenas como uma característica individual,
mas como uma ferramenta determinante nas
relações pessoais e no ambiente de trabalho
não apenas como uma característica individual,
mas como uma ferramenta determinante nas
relações pessoais e no ambiente de trabalho
Otavio Dias | VIREI O JOGO A MEU FAVOR Quando criança, o paulista Artur Leite, de 27 anos, era alvo de piadas por ser o gordinho da turma. Ele decidiu inverter o jogo e fazer graça de si mesmo. "Ninguém me dava apelidos. Eu mesmo fazia isso pelos outros e conquistava a amizade do grupo", diz. Até hoje Leite usa a mesma estratégia – com as mulheres: "Posso não ser um adônis, mas sou muito divertido" |
O humor, assim como a beleza, é fácil de identificar, mas difícil de definir. Seria ele "o repouso da alma", como escreveu Santo Tomás de Aquino? Ou "a maior bênção da humanidade", como queria o escritor americano Mark Twain? Por muito tempo, a definição de humor usada pelos psicólogos que estudam o assunto foi aquela criada por Sigmund Freud, o inventor da psicanálise. Em seu Os Chistes e a Sua Relação com o Inconsciente, Freud escreveu que o humor é o maior mecanismo de defesa do ser humano, um instrumento que permite equilibrar as emoções e elaborar as frustrações. Hoje, a psicologia prefere enxergar o humor menos sob a ótica individual e mais à luz de sua capacidade de influir nos relacionamentos. O tipo de humor que uma pessoa pratica é um componente forte na percepção que os outros têm dela, na definição que se dá à sua personalidade. Essa é uma das conclusões principais de um dos mais completos estudos já realizados sobre o humor, o livro The Psychology of Humor (A Psicologia do Humor), recém-lançado nos Estados Unidos. Seu autor é o psicólogo Rod Martin, da Universidade de Western Ontario, no Canadá. Segundo Martin, o humor não é um estado de espírito único – ele tem quatro variantes principais, cada uma delas com suas implicações específicas nas relações pessoais e profissionais de cada ser humano.
Lailson Santos |
SOU A POLIANA, SIM A estudante Renata Beltrame, de 22 anos, está sempre de bom humor porque procura ver o lado positivo das coisas. Com 1 ano, ela teve 70% do corpo queimado num acidente. "Hoje sei separar os problemas reais de simples chateações", diz ela |
Não é difícil associar pessoas conhecidas – ou a si próprio – aos quatro tipos de humor compilados por Rod Martin. Aquele menino gordinho e desajeitado que todos desprezam na escola e que, de repente, se torna o mais engraçado da turma, capaz de juntar uma dezena de amigos em torno de si, pratica o humor autodepreciativo. Ele usa as próprias imperfeições para fazer graça. O humor autodepreciativo é característico do diretor de cinema Woody Allen e do apresentador de TV João Gordo, por exemplo. Quem faz observações venenosas que não poupam ninguém e prefere perder o amigo à piada pratica o humor corrosivo. O humor agregador identifica as pessoas que se dão bem com todo mundo e surpreendem a todos com suas tiradas. Em geral, são figuras populares. Já quem passa por dificuldades mas sempre enxerga um lado positivo em tudo, como a personagem da literatura infanto-juvenil Poliana, pratica o humor do tipo de bem com a vida. "Até pouco tempo atrás, os estudos sobre o humor se resumiam a medir como as pessoas reagem a ele, qual o impacto das situações engraçadas, charges e piadas em cada indivíduo", disse a VEJA outro acadêmico especialista em humor, o sociólogo Robert Weiss, da Universidade do Oregon. "Na verdade, o humor é uma ferramenta social como outra qualquer", ele completa.
Ernani D`Almeida | NÃO POUPO NINGUÉM O técnico em radiologia Robson Silva, de 47 anos, faz piadas mesmo quando seria melhor ficar calado. Já perdeu vários amigos por causa de seu humor, que não perdoa ninguém. "Quero cativar as pessoas e quebrar o gelo, mas muita gente se choca", ele diz |
Como ferramenta nas relações sociais, o humor fornece ótimas oportunidades para conhecer os valores e as opiniões alheias. "Uma piada é capaz de revelar mais sobre alguém do que perguntas diretas, principalmente em assuntos polêmicos como política, religião e sexo", disse Rod Martin a VEJA. O humor ainda costuma ser um aliado no jogo da sedução. Uma cantada bem-humorada, pondera Martin, pode até não dar resultado, mas é garantia de que a conversa não será interrompida bruscamente, com constrangimento para ambas as partes. A tentativa pode terminar em boas risadas e abrir as portas para um segundo encontro entre o casal, nem que seja como bons amigos. "A mensagem contida na cantada nunca fica totalmente clara, o que permite colocar as idéias numa espécie de jogo de tentativa e erro", diz Martin. "Pode-se mudá-la, se preciso, dizendo que foi apenas uma piada." O humor também é uma arma eficiente na manutenção das normas sociais e da hierarquia. Ao satirizar, mesmo com humor do tipo corrosivo, as atitudes e os traços de personalidade de alguém, os integrantes de um grupo comunicam implicitamente as regras para fazer parte da turma.
Ernani D`Almeida | O CHEFE DOS SONHOS O italiano Fabrizio Giuliadore, dono de dois restaurantes no Rio de Janeiro, mantém o bom humor mesmo na hora de dar bronca nos funcionários. "Assim, dou um recado sutil sem desgastar a relação com eles", diz. |
Uma pesquisa citada no livro de Martin mostra que, no ambiente de trabalho, quem ocupa os cargos mais altos usa o humor em proporção 40% maior do que os funcionários em posições inferiores. O discurso bem-humorado dos chefes quase sempre contém mensagens críticas ou admoestações disfarçadas. Funcionários com menos status, ao contrário, costumam rir das piadas dos chefes para agradá-los ou chamar a atenção para si. Aproximar parceiros é outro grande benefício do humor, principalmente se ele for dos tipos agregador ou de bem com a vida. "Quando as pessoas riem juntas, elas se tornam cúmplices, dividem as mesmas emoções e têm atitudes mais positivas em relação a outra", diz Hildeberto Tavares, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Estudos feitos na Universidade do Colorado indicam que, quanto mais uma pessoa está satisfeita com o próprio casamento, mais ela valoriza o senso de humor – seja de que tipo for – do parceiro. Os mineiros Virgínia Alves, de 41 anos, e Marcel Niri, de 34, ambos professores de educação física, estão casados há catorze anos. O segredo, dizem, é o bom humor. "Percebi que ela seria a mulher da minha vida no primeiro encontro. Caímos na risada e nunca mais nos separamos", diz Marcel. "Ele é brincalhão, vive cercado de amigos e ri dos problemas", diz Virgínia.
Todo mundo abriga em si, em maior ou menor grau, os quatro tipos de humor – os comportamentos a que eles estão associados fazem parte da natureza humana. A forma e a intensidade com que se pratica cada tipo de humor é que faz a diferença nos relacionamentos. A princípio, pode parecer que os tipos de humor autodepreciativo e corrosivo são negativos, enquanto os tipos agregador e de bem com a vida são positivos. Não é bem assim. Uma pessoa considerada agregadora geralmente utiliza o humor para reunir pessoas e formar grupos. "Mas, dependendo de como ela age, o senso de humor pode servir para excluir quem não lhe convém", diz Robert Weiss. O humor corrosivo também pode servir a outros propósitos que não seja a humilhação. Ele pode funcionar como reação a um ambiente hostil. Empregados que sofrem com um chefe tirano costumam tornar o ambiente de trabalho mais ameno ao falar mal do chefe pelas costas em tom ácido e jocoso.
Virgínia e Marcel, casados há catorze anos: "Quando nos conhecemos, caímos na risada e nunca mais nos separamos", diz ele |
Embora não haja formas boas ou ruins de humor, o tipo de bem com a vida é considerado pelos psicólogos o mais saudável. "Quem está sempre bem-humorado apesar dos contratempos dificilmente fica ansioso por longos períodos e isso mantém o organismo sob controle", diz Rod Martin. Um estudo da Universidade de Wisconsin mostra que o humor do tipo de bem com a vida tende a fortalecer as defesas do organismo. Os pesquisadores verificaram que quem costuma ter comportamento pessimista apresenta uma atividade maior na parte frontal direita do córtex cerebral. Isso altera os neurotransmissores produzidos nessa região e reduz a produção de células de defesa do organismo. Pessoas que tendem a sempre olhar o lado positivo das coisas ativam com maior freqüência o lado esquerdo do cérebro e parecem desenvolver melhor capacidade imunológica. Quem não pratica o humor do tipo de bem com a vida não precisa se preocupar. Ter qualquer tipo de humor é melhor do que não ter humor algum.
O TRUQUE DO SORRISO
A risada é considerada uma expressão explícita do bom humor. Não se pode dizer o mesmo do sorriso. O psicólogo americano Dacher Keltner, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, analisou numa pesquisa milhares de faces sorridentes e concluiu que existem dois tipos de sorriso. Nem sempre é fácil identificá-los. Um deles revela que a pessoa está realmente achando graça em algo ou demonstrando felicidade. O outro mostra que ela apenas se esforça para parecer simpática. Enquanto a risada é involuntária, alguns músculos necessários para sorrir podem ser controlados. Um deles é o zigomático maior, que puxa os cantos do lábio para cima. Ao contraí-los, forma-se o que Keltner chama de "sorriso de aeromoça", em alusão à expressão automática dos comissários de bordo. É um sorriso que expressa mais delicadeza do que alegria. "É esse sorriso que o funcionário esboça quando o chefe conta a piada que ele já ouviu centenas de vezes ou que uma pessoa utiliza quando cumprimenta outra e ambas movem os lábios num movimento quase simultâneo", diz Keltner. Os músculos responsáveis pelo sorriso verdadeiro não podem ser controlados por 95% das pessoas. Um deles é o orbicular ocular, que fica ao redor dos olhos. Quando esse músculo se contrai, formam-se pequenas rugas do tipo pé-de-galinha, o olhar ganha um leve brilho, as bochechas se elevam e pequenas bolsas se formam embaixo dos olhos. Essas são as características do sorriso espontâneo – aquele que os bebês, nos primeiros meses de vida, dirigem apenas à mãe. Veja nas duas fotos abaixo o mesmo rapaz, fotografado com um sorriso "de aeromoça" e outro de verdade.
Fonte: http://veja.abril.com.br/151106/p_116.html