A Paixão.

Inegavelmente, dada a carga negativa associada ao conceito de paixão, a afirmativa de que a fonte original das paixões é algo bom, tende a causar estranheza na maioria das pessoas. Por tal motivo julgo fazer algumas incursões. 

Como ocorre com boa parte das línguas naturais, a palavra 'paixão' comporta diversos significados. Na acepção popular em nossos dias, ela designa certos sentimentos fortes, exacerbados, tumultuados, que em geral se associam à afeição votada a pessoas e mesmo a coisas e atividades: 'Matou-se por paixão', 'É apaixonado por carros', 'Tem paixão pelo futebol'. etc.




Do ponto de vista psicanalítico, o termo possui significados mais amplos e neutros quanto ao bem e ao mal. Em seu significado etimológico, paixão se contrapõe a ação. Isso fica mais claro nas línguas inglesa e francesa, em que esses vocábulos, passion e action, estão mais próximos de sua origem latina. Ação atuar, agir; paixão sofrer a ação, recebê-la passivamente.

Nesse sentido básico, pode então dizer-se que ação e paixão são como as faces diferentes de uma mesma moeda?  Nem sempre! Tenha cuidado com afirmaçoes e questione sempre algo "comprado pronto!" Para tentar elucidar o raciocínio, vamos exemplificar assim:

"Sempre que algo age, alguma outra coisa sofre paixão. - Eu bato na mesa é ação; a mesa recebe a pancada paixão. O mesmo fenômeno que para mim é ação, para a mesa é paixão"

Exemplificando parece até inteligivel, mas dadas as grandes transformações por que passou a física em nosso século, não é possível expressarmos em uma linguagem ordinária como a ciência contemporânea caracteriza a matéria.  Lembramos então que noções não mais bastam às novas teorias físicas, logo não existe um estado físico da paixão e sim um estado emocional a qual influencia nossos comportamentos e sintomas físicos.

Podemos, para os nossas intenções, considerar o estado emocional da paixão como: 

1) vontade;
2) pensamento;
3) percepção.

A vontade se exerce quando emocionalmente se deseja algo; 
O pensamento quando ela raciocina, duvida, compara, abstrai etc. Pensamento e vontade assim definidos são, por assim dizer, as "dimensões" ativas de um estado emocional.
A percepção seria, por outro lado, sua dimensão passiva. Isso fica mais claro quando enumeramos as formas gerais dessa percepção:

a) sensações dos corpos (formas, solidez, cores, sons etc.);
b) percepções das operações  (percepção de que está raciocinando, duvidando, querendo, imaginando, sentindo etc.);
c) sentimentos (amor, ódio, tristeza, alegria etc.)

Quando a voltamos nossas atenções para o auto-exame, refletimos, introspectamos, e fica pouco provável não perceber que está raciocinando, ou duvidando, ou querendo algo.

Chegamos, neste ponto a algo um pouco mais direto e esclarecedor pois efetivamente a "paixão" denota destas percepções ou seja ela é oriunda de sentimentos como o amor e o ódio, a alegria e a tristeza, a admiração e o desejo então veja que nem sempre a paixão é algo tão benéfico assim, recorde-se que quando se ouve  sobre a paixão de Cristo, sempre se associa a um grande sofrimento. Percebeu? Então atente-se!.

Voltando à análise do conceito restrito de paixão, enfatizemos que ele preserva o elemento essencial da noção abrangente: a passividade. Amor, ódio, alegria, tristeza e demais paixões são algo que "se apodera" de nós de forma involuntária e muitas vezes angustiante. 

Diante destas breves afirmaçoes podemos concluir que os estados passionais (sejam eles quais forem) acabam nos trazendo uma série de benefícios bem como algumas frustrações e angústias, porém se tratarmos nossos estados passionais com a devida serenidade e buscando a origem destes estados poderemos ter ao invés de grandes decepções grandes e continuas alegrias. A paixão limita-se ao domínio que você exerce sobre ela e da forma com que a conduz. 
Seja prudente com suas paixões, mas principalmente (em momentos de dificuldade) nunca se culpe e sim RESPONSABILIZE-SE!

Até a próxima!

As angústias da angústia.

A angústia  nos termos da teoria vem a fazer articular todo o discurso psicanalítico.
Pessoalmente falando não me agrada a segregação da Psicanálise em "Escolas" desse ou daquele autor.  Se para Freud a angústia é caracterizada pela ausência do objeto desejado, ou pela perda de um objeto, em Lacan ela se relaciona à presença do objeto. Contudo, a um objeto particular, o objeto da psicanálise, o objeto A
Teríamos nós tardes e tardes de debates (regadas a teoria e termos alemães) a respeito dessa ou daquela "escola" mas isso, a meu modesto sentir, seria apenas o exercício do egocentrismo, coisa que não vejo valia terapêutica, enquanto o leigo tenta buscar sugestões através desse texto.
 
Aqui farei uma breve reflexão sobre o conceito de angustia e sua importância na construção da teoria e prática psicanalítica e por obvio na constituição do sujeito em sua individualidade e subjetividade frente ao mundo.
Para começar é importante sabermos da morfologia propriamente dita:

Angústia origina-se do latim "Angor" ou seja ‘angustura, estreitamento, apertamento’.

Desde seus primeiros trabalhos Freud vinha se preocupando com a questão da angústia. Como se origina a angústia? Tudo o que sei a respeito é o seguinte: logo se tornou claro que a angústia de meus pacientes neuróticos tinha muito a ver com a sexualidade(Freud, 1894).

Ainda no século pasado a abstinência sexual é apontada como causa de angústia. Ela ocorreria devido ao acúmulo de tensão sexual. Algumas vezes leremos a palavra sexual (e isso é importante ser lembrado)  porém nem sempre ela se relaciona com o ato genital em si, mas na maioria dos casos, está mais diretamente relacionada com o impulso do desejo de ter, fazer, querer etc..
Em  Projeto para uma Psicologia Científica, 1895 Freud fala que a neurose de angústia teria sua etiologia na má ou não utilização da libido, que assim, se transformaria em angústia de uma forma direta.
Os estados traumáticos  ( Estimulação excessiva e desamparo) se inscrevem de tal forma que deixam uma tendência a serem revividos, esta reprodução da dor é que então levaria a uma repulsa ou em outros termos o  recalcamento (repressão). 
Para dar continuidade a discussão sobre a angústia, faz-se necessário abordar brevemente os conceitos de pulsão (tendência) e recalque (repressão), pois estes nos ajudarão a compreender melhor o que se seguirá. Para aquele colega que prefere algo e teórico, deixo minha homenagem - pulsão (trieb) e recalque (verdrangung) que como falei, para o leigo que lê essa humilde reflexão a valia é apenas informativa.


 Na verdade a pulsão é o instinto que se desnaturalizou (tendência), a pulsão se apóia no instinto, mas não se reduz a a apenas ser ele. 
A pulsão nunca se dá por si mesma – nem a nível consciente, nem a nível inconsciente, ela só é conhecida pelos seus representantes:  Traço Mnemônicos - (Memórias) Afetos (Cuja descarga é percebida como sentimento). Saliento que não existe a tendência passiva ou seja, ela sempre precisa estar ligada a uma fonte, uma pressão, um objetivo ou a um objeto. O objetivo da pulsão (tendência) é sempre a satisfação, sendo este definida como a redução da tensão. Uma pulsão não pode ser nem destruída nem inibida; uma vez tendo surgido, ela tende a lhe coagir para a satisfação.

Neste momento, julgo oportuno citar Lacan quando defende que  
"...não é a falta do objeto que angustia, mas sim a presença dele.." .
Ainda muito contemporâneo, vislumbrou na época o que hoje as traduções da angústia se refletem, que podemos resumir em: preocupo-me mais no que os outros irão "pensar" de mim, do que propriamente a falta desses mesmos "outros".
Perceba: 

 A angústia não está relacionada ao desamparo inicial, mas sim ao amparo que o sujeito recebe, onde se faz enigmático, expectativo, antecipativo e se situa em relação à incerteza do que sou como causa do desejo do outro.

Felizmente não existem respostas corretas ou incorretas, mas, a título de reflexão, procure analisar suas angústias sob a ótica acima e quem sabe algumas delas não se enfraqueçam mais rapidamente assim como a minha se dissolveu, quando descobri que consigo escrever sobre a angústia de ter angústias.

"Que não se esmaguem com palavras, as entrelinhas..." Clarice Lispector
 Boa reflexão!.