Quando nasce um Psicopata.

“Eu não sabia o que fazia as pessoas quererem ser amigas. Eu não sabia o que as fazia querer ser atraentes umas para as outras. Eu não sabia o que eram interações sociais.”
“Eu não me sinto culpado por nada. Eu sinto pena de quem se sente culpado.”
“Eu sou o mais frio filho da puta no qual você já colocou seus malditos olhos. Eu não dou a mínima para aquelas pessoas.”

Essas assustadoras frases de Ted Bundy claramente resumem as principais características de um psicopata: uma pessoa insensível, manipuladora, sem empatia, impulsiva, e incapaz de sentir culpa ou remorso.
Quando falamos em criminosos psicopatas, logo nos vem a cabeça um sujeito completamente louco segurando uma moto-serra na mão. Filmes, séries e até reportagens de TV tendem a mostrar aos espectadores que toda pessoa que comete um crime hediondo é um psicopata. Mas muitas das vezes, o assassino tachado de psicopata pela sociedade cometeu seu crime durante um surto psicótico, e psicose e psicopatia são duas coisas completamente distintas. Psicose e psicopatia são diferentes tipos de transtornos mentais. Psicose é a completa perda do senso de realidade, já a psicopatia é um transtorno de personalidade, assim como o transtorno de personalidade narcisista. Os transtornos de personalidade são permanentes enquanto que as perturbações psicóticas podem ser controladas mediante administração correta de medicamentos neurolépticos.
Psicopatas são calculistas e manipuladores, mas eles não sofrem de alucinações ou delírios. Eles não ouvem vozes de estranhos em suas cabeças dizendo sobre elaboradas teorias conspiratórias. Muitos assassinos em série tem como principal motivação para seus crimes os delírios, muitos bizarros, decorrentes de uma perturbação psicótica. O serial killer Carl Eugene Watts estrangulou várias mulheres porque ele viu o mal em seus olhos. Belle Sorenson Gunnes matou seus maridos porque ela acreditava que eles eram homens demoníacos. Ed Gein mutilou, esfolou e esviscerou corpos porque ele queria ser uma mulher e acreditava que ele precisava de partes de corpos femininos para ser uma (ou talvez para fazer uma réplica de sua mãe). Richard Trenton Chase bebia e se banhava no sangue de suas vítimas. Ele acreditava que tinha que fazer isso para evitar que os nazistas transformassem seu sangue em pó com um veneno que eles escondiam debaixo de uma saboneteira. Joseph Kallinger embarcou numa missão homicida após receber ordens de uma cabeça flutuante chamada Charlie.
Mais uma vez, psicose e psicopatia são dois transtornos mentais completamente diferentes, e saber diferenciá-los é importante para a não proliferação do falso conhecimento.

O Nascimento de um Psicopata

As causas da psicopatia permanecem um mistério. Nós não temos sequer uma resposta satisfatória para a questão: A psicopatia é um produto da mãe natureza ou da infância?
Uma tentativa de dar uma resposta a essas questões vem com a criminologia biossocial, uma perspectiva interdisciplinar emergente que procura explicar o crime e comportamentos anti-sociais através de múltiplos fatores, dentre eles: os fatores genéticos, neuropsicológicos, ambientais e evolutivos. Nos últimos anos houve, de certa forma, um renascimento dos estudos nessa área; estudos estes mais sofisticados e com capacidade de analisar o poliformismo genético e o funcionamento cerebral de psicopatas. Tais estudos tem como principio entender como os fatores biológicos e genéticos interagem com o ambiente e conduzem a diferentes propensões para o comportamento anti-social. A criminologia biossocial sustenta que os efeitos biológicos e genéticos são reduzidos, ou até mesmo inexistentes, a menos que estejam emparelhados com um ambiente criminogênico (ex.: disfuncionalidades familiares). Os genes, portanto, não seriam de todo deterministas, porém, indicariam a probabilidade do sujeito apresentar comportamentos anti-sociais.
Caminhando para a área da genética, existem três campos de estudos que visam investigar a relação da genética/ambiente na formação de uma mente psicopata: estudos com gêmeos, estudo com adotados e estudos em genética molecular. Tais estudos são ponderados com as influências do ambiente compartilhado (ambiente comum a todos os irmãos de uma família), do ambiente não compartilhado e da hereditariedade. Hoje, a principal conclusão desses estudos é de que a combinação entre predisposição genética + ambiente criminogênico teria como resultado o comportamento anti-social.
O “Estudo de Gêmeos Criados Separadamente de Minnesota” foi um projeto originalmente liderado pelo professor de psicologia Thomas Joseph Bouchard Jr. e mostrou que a psicopatia é 60% hereditária. Esse percentual indica que traços psicopáticos são mais associados ao DNA do que à criação.
Outros recentes estudos genéticos de gêmeos indicam que gêmeos idênticos podem não ser tão geneticamente similares, como até então acreditava-se. Apesar de apenas algumas centenas de mutações ocorrerem durante o desenvolvimento fetal, elas provavelmente se multiplicam ao longo dos anos, levando a enormes diferenças genéticas. Isso deixa aberta a possibilidade de que traços psicopáticos são, em grande parte, determinados geneticamente.

As Raízes da Psicopatia

Publicado em 2008, o estudo “Criminals in the Making”, dos criminólogos John Wright, Stephen Tibbetts e Leah Daigle, indicou que tanto a estrutura cerebral como o seu funcionamento estariam envolvidas na etiologia da violência, agressão, crime, e até mesmo da psicopatia. Em outras palavras, a estrutura e a forma como o cérebro de algumas pessoas funcionam seriam o segredo para entender o comportamento violento e até mesmo as origens da psicopatia.
Nesse sentido, e tomando outros estudos como referência, duas áreas cerebrais parecem estar consistentemente envolvidas quando pronunciamos o nome psicopata: o sistema límbico (composto pela amígdala, hipocampo e tálamo) e o córtex pré-frontal.

O córtex pré-frontal e o sistema límbico.O córtex pré-frontal e o sistema límbico. Foto: guia.heu.nom.br

O sistema límbico é essencial para a regulação de nossas emoções mais complexas e de nossos estados afetivos e motivacionais. Ele estaria relacionado à psicopatia através da criação de certos impulsos, como por exemplo, a raiva e o ciúme, que são facilitadores para a prática de atos violentos.
O córtex pré-frontal, uma região cortical na parte frontal do cérebro, é o responsável pelas funções de ordem superior executivas, como por exemplo, a capacidade de adiar a gratificação e controlar os impulsos. Ele é uma estrutura interligada com o sistema límbico, sendo o córtex pré-frontal o responsável por reprimir os impulsos gerados a partir das estruturas límbicas.
Segundo alguns estudos, um sistema límbico hiperativo mais um córtex pré-frontal hipoativo seria a combinação perfeita para o desenvolvimento da psicopatia.
Esta anormalidade foi identificada em um estudo da Universidade de Wisconsin. Scans cerebrais revelaram que a psicopatia em criminosos estava associada a uma diminuição da conectividade entre a amígdala, uma estrutura subcortical do sistema límbico que processa estímulos nocivos, e o córtex pré-frontal, que interpreta a resposta da amígdala. Quando a conectividade entre essas duas regiões é baixa, o processamento de estímulos nocivos na amígdala não se traduz em nenhuma emoção negativa sentida. E isso se encaixaria muito bem na imagem que temos de psicopatas. Eles não se sentem ansiosos ou envergonhados quando são pegos fazendo algo ruim. Eles não ficam tristes quando outras pessoas sofrem. Apesar de sentir dor física, eles não estão numa posição de se machucarem emocionalmente.
O estudo da Universidade de Wisconsin mostra uma correlação entre psicopatia criminal e anormalidade no cérebro. Como essa anormalidade cerebral, na maioria dos casos de criminosos psicopatas, não é adquirida, há uma boa razão para pensar que ela está fundamentada no DNA do indivíduo.
À mesma conclusão já havia chegado o neurocientista norte-americano Jim Fallon, que nos anos 90 conduziu estudos com psicopatas assassinos.

“Um certo grupo (assassinos) tinha sempre uma lesão no córtex orbitofrontal, acima dos olhos. Outra parte que parecia não funcionar bem era a parte frontal do lobo temporal que abriga a amígdala, o local onde nossas reações se tornam diferentes das dos animais”, disse Fallon no documentário What Make Us Good or Evil, da rede britânica BBC.

Cada vez mais surgem evidências de que o cérebro dos psicopatas apresentam alterações, sobretudo no que remete ao córtex pré-frontal. Algumas pesquisas com ressonância magnética trouxeram resultados incríveis, que mostram que indivíduos com transtornos de personalidade anti-social apresentam redução de 11% (em média) da massa cinzenta pré-frontal, e isso é significativo já que o córtex pré frontal é uma área associada a sentimentos de vergonha, culpa, constrangimento (uma adequação social). Como demonstrado nessas pesquisas, os psicopatas apresentam uma menor quantidade de matéria cinzenta no córtex pré-frontal e por consequência as respostas sociais não podem ser iguais das pessoas com o córtex pré-frontal “normal”. Isso não pode ser levado como uma verdade absoluta, mas de acordo com essa perspectiva um psicopata apresentaria menor resposta autonômica a um estressor social por ter menor quantidade de matéria cinzenta no córtex pré-frontal.

Em assassinos foi verificado que existe uma redução no metabolismo da glicose no córtex pré-frontal, isso indica que essa estrutura cerebral atua como “freio” para os impulsos gerados no sistema límbico.
Há, no entanto, algumas limitações nesses estudos. Eles foram realizados com psicopatas que cometeram crimes de assassinato, e sabemos muito bem que a maioria dos psicopatas não são assassinos. Sabemos que psicopatas são manipuladores, agressivos, impulsivos, e que não sentem empatia por outras pessoas, entretanto, tais características estão longe de conduzí-los ao assassinato. Nesse sentido, e quando pronunciamos a palavra psicopata, temos níveis de atuação criminal extremamente diversificados. Psicopatas podem não matar (diretamente), mas podem desviar dinheiro de hospitais públicos, praticar o crime de burla… E isso faz surgir uma pergunta: Os psicopatas com manifestação mais tênue da perturbação teriam também essa atividade entre a amígdala e o córtex pré-frontal reduzida? Não há resposta. Outra limitação do estudo é que ele não mostra se a redução da interatividade entre a amígdala e o córtex pré-frontal é uma deficiência especificamente ligada à psicopatia. E as condições mentais que têm sido associadas a crimes graves, como a esquizofrenia paranóide e os fetiches sexuais extremos?
Embora os estudos, como o de Wisconsin, lancem alguma luz sobre as origens da psicopatia, ela permanece intrigante.
Indo ao outro extremo, alguns especialistas tem discutido formas de ensinar psicopatas a, digamos, ser mais humanos.
Elsa Ermer e Kent Kiehl, da Universidade do Novo México, em Albuquerque, descobriram que psicopatas têm dificuldades em seguir regras baseadas na sensibilidade moral, apesar de compreendê-las perfeitamente. As emoções reprimidas de psicopatas parecem desempenhar um papel que os impede de seguir regras. Mas essa deficiência, possivelmente, é corrigível. Sabemos que pessoas com transtorno do espectro autista têm dificuldades em captar regras sociais ou fazê-las da maneira correta em determinados contextos sociais. Mas eles podem aprender. Por exemplo, eles podem aprender a fazer contato olho no olho, aprender a realizar contatos de forma indireta, podendo assim aprender a manifestar interesse em outras pessoas. Às vezes, isso requer anos de treinamento com um terapeuta ou profissional da saúde. Eles têm que aprender a fazer o que os outros sabem instintivamente pela interação com membros da família e colegas. Se as pessoas com alto grau de autismo, uma doença hereditária, podem aprender os sinais sociais, então, presumivelmente, alguns psicopatas poderiam aprender a seguir regras morais, passando por um treinamento intensivo. Um tipo de experimentação poderiam ser programas de treinamentos que aumentassem artificialmente o processamento de emoções negativas e, em seguida, ensiná-los a associar essas emoções negativas com más ações, moralmente inaceitáveis. Para isso, alguns especialistas já sugeriram o uso de alucinógenos, como o psilocybin.

Genes do Mal e o Fator Ambiente

Estudos de terceira geração em genética levantam a questão de quais genes poderiam estar envolvidos na predisposição do comportamento anti-social. Algumas respostas começaram a surgir através da genética molecular. Quando realizado o knockout do gene da monoamina-oxidase A (MAO-A) em ratos, esses tornaram-se potencialmente agressivos. O knockout, em termos de genética, significa desativar um gene para observar que tipo de alterações isso pode acarretar e, consequentemente, determinar a nível de genótipo qual a designação daquele gene. Pesquisas da área retratam a ligação do gene MAO-A com a agressividade, e nas experiencias com ratos, quando o gene MAO-A é desativado, ele se torna mais agressivo. Quando voltam a reativar o gene, o ratinho passa a ter novamente um comportamento normal. Isso significa que esse gene tem relação direta com a agressividade, e uma variação dele poderia ocasionar o aumento de agressividade. Um dos estudos que previu essa ligação foi o “Monoamine oxidase gene A (MAOA) prevê comportamento agressivo diante de provocação”. Segundo os autores do estudo, a baixa atividade do gene MAO-A poderia levar a uma pré-disposição para um comportamento agressivo e desproporcional diante de situações onde o indivíduo é provocado.
Entretanto, o desafio maior da terceira geração de estudos genéticos não é apenas identificar quais os genes envolvidos na psicopatia, e sim como esses genes codificam os transtornos cerebrais nos grupos de anti-sociais. Sujeitos com polimorfismo comum no gene MAO-A apresentam 8% de redução no volume da amígdala, no giro do cíngulo anterior (região do sistema límbico) e no córtex pré frontal, estruturas envolvidas nas emoções e que em sujeitos anti-sociais estão comprometidas. A hipótese é a de que anormalidades genéticas também desencadeiam anormalidades a nível cerebral.
É evidente que, muito embora já se consiga hoje relacionar o crime com predisposição genética, os processos psicossociais não podem ser desconsiderados. Fatores ambientais no inicio do desenvolvimento poderiam alterar de forma direta a expressão do gene, e com isso alterar também a estrutura cerebral, resultando assim no comportamento anti-social.

Em suma, o ambiente social pode interagir com os indicadores genéticos e biológicos, mas considera-se também que o comportamento violento e criminal aumenta significativamente quando combinado esses dois fatores, o risco biológico e o risco social.
Nós não podemos excluir que o abuso na infância ou negligência possam ser um fator desencadeador para a psicopatia, mas isso não é um fator que contribui para ser um psicopata. Além disso, apesar de criminosos como Charles Manson terem sido abusados e negligenciados quando crianças, a lista de psicopatas serial killers que tiveram uma infância normal é infinita. Serial killers famosos como Ted Bundy, Jeffrey Damer e Dennis Rader cresceram em famílias normais e com apoio.
A verdade é que ainda estamos longe de uma resposta definitiva sobre as origens da psicopatia, e no pior dos casos, o que leva um psicopata a se tornar um assassino e, indo mais a fundo, a resposta científica para a aberração mental chamada serial killer. Serial killers são casos tão extremos que é natural para nós perguntar se essas pessoas não possuem defeitos cerebrais. Sem uma resposta definitiva, nós podemos apenas supor, assim como fez Harold Schechter, em seu livro Serial Killers – Anatomia do Mal:

“Parece provável que tanto a educação como a natureza podem contribuir para a criação de serial killers”.

Fontes consultadas:
Minnesota Center for Twin & Family Research;
Psychology Today (Identical Twins are not Genetically Identical);
Department Of Psychiatry, University of Wisconsin-Madison (Reduced prefrontal connectivity in psychopathy);
What Make Us Good or Evil? (Documentário BBC);
The Economist (Socially challenging);
Crime biológico: Implicações para a sociedade e para o sistema de justiça criminal (Adrian Raine);
Wright, J.P.& Tibbetts, S.G.& Daigle, L.E., “Criminals in the Making: Criminality across the Life Course”, 2008;
Caspi A, McClay J, Moffitt TE, Mill J, Martin J, Craig IW, et al. Role of genotype in the cycle of violence in maltreated children. Science. 2002;
Schmidek R. Werner, Cantos A. Geny. Evolução do Sistema Nervoso, Especialização Hemisférica e Plasticidade Cerebral: Um Caminho Ainda a Ser Percorrido. USP. 2008.
Schechter, Harold. Serial Killers – Antomia do Mal. DarkSide Books. 2013.
Patrick J., Christopher. Handbook of Psychopathy. The Guilford Press. 2007.
McDermott R, Tingley D, Cowden J, Frazzetto G, Johnson DD. Monoamine oxidase A gene (MAOA) predicts behavioral aggression following provocation. 2009.

Sindrome Irlen : Quem lê mas não entende.


A Síndrome de Irlen (S.I.) é uma alteração visuoperceptual, causada por um desequilíbrio da
capacidade de adaptação à luz que produz alterações no córtex visual e déficits na leitura. A
Síndrome tem caráter familiar, com um ou ambos os pais também portadores em graus e
intensidades variáveis. Suas manifestações são mais evidentes nos períodos de maior demanda de
atenção visual, como nas atividades acadêmicas e profissionais que envolvem leitura por tempo
prolongado, seja com material impresso ou computador¹.
A caracterização desta síndrome foi feita pela psicóloga Helen Irlen, com um estudo prospectivo
envolvendo centenas de adultos considerados analfabetos funcionais pela leitura deficiente e baixa
escolaridade. O estudo, aprovado e financiado pelo Governo Federal Americano, foi apresentado
perante a Associação Americana de Psicologia em Agosto de 1983.
A pesquisadora concentrou seus estudos nos sintomas “visuais” que estes adultos apresentavam,
denominando-os de Síndrome da Sensibilidade Escotópica - fazendo alusão ao escuro – devido à
preferência por locais menos iluminados durante tarefas com maior exigência visual. Além da
fotofobia, cinco outras manifestações podiam estar presentes: problemas na resolução viso-espacial,
restrição de alcance focal, dificuldades na manutenção do foco e astenopia e na percepção de
profundidade².
A fotofobia geralmente se manifesta através de queixas de brilho ou reflexo do papel branco, que
compete com o texto impresso e desvia a atenção do conteúdo a ser lido, comprometendo a atenção.
Luzes fluorescentes são particularmente desconfortáveis e geram irritabilidade. Até mesmo a luz
solar direta, faróis de carros e postes à noite causam incomodo aos portadores da SI e cefaléias por
essa exposição³. Em muitos casos, há hábito de uso constante de óculos de sol.
As alterações da habilidade de resolução viso-espacial produzem sensação de desfocamento e de
movimentação das letras que pulsam, tremem, vibram , aglomeram-se ou desaparecem, impactando
na atenção e compreensão do texto que esta sendo lido. As distorções à leitura foram também objeto
de relatos por parte de outros autores como Meares (1980), Whiting (1985) e Robinson & Miles
(1987)4,5,6.


Ilustram como um portador da Síndrome de Irlen percebe um texto durante a leitura prolongada.
A restrição do foco limita a abrangência visual e reduz o número de letras apreendidas fazendo
com que palavras sejam vistas parceladamente, o que requer uma segunda etapa associativa para
coerência e compreensão. A restrição no alcance focal pode ainda causar dificuldades na
organização do texto em segmentos significativos ou porções sintáticas, sendo esta uma
característica presente em leitores deficientes. Em geral, bons leitores ampliam progressivamente o
campo de visão, passando a reconhecer as palavras familiares pelo conjunto ou lexicalmente de
forma a registrar as pistas visuais necessárias para uma interpretação rápida e correta do significado
do texto naquele ponto.
As dificuldades na manutenção da atenção do foco, pelo fato do texto impresso apresentar-se
menos nítido ou desfocado após um intervalo variável em leitura, produz estresse visual ou
astenopia.
A astenopia, sempre presente em intensidade variável, se caracteriza pelo desconforto visual
associado à sensação de ardência e ressecamento ocular, aumento da necessidade de piscar, olhos
vermelhos e lacrimejantes, necessidade de coçar e apertar os olhos, com mudanças na posição e
distância da cabeça até o papel impresso, sonolência e busca de pausas para “descanso visual”.
As dificuldades com percepção de profundidade, habilidade que possibilita a correta avaliação
tridimensional, tem impacto direto em atividades como dirigir, estacionar, prática de esportes com
bola, de movimento em geral, descer e subir escadas, atravessar portas, passarelas, usar escadas
rolantes entre muitas outras situações cotidianas, nas quais a antecipação visual constitui fator de
segurança e rapidez de ajuste ao ambiente.
Os sintomas físicos da S.I. são essencialmente oculares, ocorrendo lacrimejamento, prurido e
ardência ocular, tendência à esfregar os olhos e/ou tampar/fazer sombra enquanto lê, apertar e/ou
piscar os olhos excessivamente, balançar ou tombar a cabeça, sensação de cansaço após 10 a 15
minutos de leitura - que é feita preferencialmente na penumbra - além de história familiar de
dificuldades com leitura e fotofobia.
A prevalência é alta, pois atinge de 12-14% da população em geral, incluindo bons leitores e
universitários e torna-se proporcionalmente mais frequente quando há concomitância com déficits
de atenção e Dislexia (33 a 46% dos casos). Estudo recente, realizado em escola municipal da rede
publica em Belo Horizonte, detectou ainda uma incidência de 17% entre alunos com dificuldade de
leitura7.
Atualmente estão sendo revistas as relações entre as lesões pós-traumáticas, envolvendo o cérebro,
e os comprometimentos secundários da eficiência visual com exacerbação da fotossensibilidade e
déficits na oculomotricidade, gerando impactos na leitura, aprendizagem, memória e estabilidade
emocional. Sabe-se que também podem ocorrer na Dislexia, Déficits de Atenção e Hiperatividade,
no Autismo e durante o uso de certos medicamentos. Como os sintomas são semelhantes, o
diagnóstico diferencial é indispensável para que a conduta ideal seja adotada o mais precocemente
possível, uma vez que a intervenção gera benefícios nas outras áreas do processamento, como as
auditivas, motoras e cognitivas8.
São sintomas comuns: a confusão entre os números, percepção de distorções visuais em páginas de
texto, leitura de palavras de baixo para cima e inversão de letras e palavras, espaçamento irregular,
dificuldades em manter-se na linha ao escrever, lentidão e baixa compreensão. Entretanto inexistem
outros aspectos que facilitarão na condução de um diagnostico diferencial satisfatório. Na Síndrome
de Irlen, ao contrario da Dislexia, estarão ausentes as alterações na percepção auditiva, escrita
invertida, pronuncia incorreta, dificuldade na aquisição da fala e escrita, escrita espelhada e déficits
na compreensão de ordens verbais, cuja intervenção será supervisionada por fonoaudiólogos. Do
mesmo modo, a prolixidade, impulsividade, falta de autocontrole pessoal ou em grupo, agitação e
hiperatividade física são componentes dos quadros de déficits de atenção e hiperatividade e a
intervenção medicamentosa, quando recomendada, será feita pelo neurologista responsável pela
coordenação destes atendimentos multidisciplinares.
Sejam em comorbidade, ou isoladamente, estes distúrbios provocam uma série de manifestações
semelhantes e por isto, diversos autores preconizam o rastreamento da Síndrome de Irlen em
crianças com dificuldades na leitura, fotossensibilidade e manutenção da atenção aos esforços
visuais prolongados, como uma forma de evitar diagnósticos equivocados de Dislexia, DTA e
TDAH e ainda para minimizar a medicação em pacientes onde a agitação e desatenção são
resultantes do estresse visual e dificuldade em se ajustar às condições de luminância de uma sala de
aula, por exemplo.


Imagens captadas por Ressonância Magnética Funcional de um paciente portador de Síndrome de Irlen onde se observa
a hiperexcitabilidade cortical durante a leitura sob estresse visual e após a interposição de filtros seletivos individuais.
(Copyright Steve Stanley, Australia)


A identificação da Síndrome é feita por profissionais da saúde e educação devidamente capacitados
a identificar (teste de screening ou rastreamento) os portadores da síndrome, através da aplicação de
um protocolo padronizado conhecido como Método Irlen, e classificar o grau de intensidade das
dificuldades visuoperceptuais dos casos suspeitos9. O teste de screening é feito após avaliação da
acuidade visual e sob correção refracional atualizada, quando necessária. Pelo screening
verificamos os benefícios, com a supressão das distorções visuais, pela interposição de uma ou mais
transparências coloridas selecionadas individualmente pelo portador da Síndrome de Irlen.




Aplicação do Método Irlen onde ocorre a indução de estresse em atividades com alta demanda “visuoatencional” e
posterior supressão após a sobreposição de uma lâmina colorida individualmente selecionada.
Uma vez determinada a transparência ideal o portador passa a usá-la sobre o texto durante a leitura
ou cobrindo a tela do computador enquanto lê, obtendo benefícios imediatos no conforto visual,
fluência e compreensão.
A neutralização das distorções facilitará o reconhecimento das palavras lidas, mas obviamente não
permitirá que a pessoa leia palavras que não sabe. Para estes indivíduos, a leitura sempre foi
sinônimo de dificuldade e a rejeição tornou-se um habito incorporado – é preciso considerar que
pode haver anos de atraso em relação aos leitores regulares que puderam adquirir um substancial
vocabulário visual de reconhecimento instantâneo. Obviamente, o aprendizado das palavras será
facilitado por não mais se apresentarem distorcidas – mas a assistência ao aprendizado será
importante e sem ela a leitura permanecerá sendo uma atividade difícil e estressante.
Do mesmo modo, o uso de filtros não será o único fator necessário para o aperfeiçoamento no
desempenho da leitura, porém nos casos de Síndrome de Irlen a opção pelo tratamento significará
um recurso não invasivo, de baixo custo e alta resolutividade, possibilitando a seus usuários uma
potencialização dos benefícios aferidos aos seus esforços acadêmicos e profissionais, além de
facilitar o trabalho da equipe multidisciplinar que os assistem.
É interessante observar que a boa parte dos portadores não tem consciência de suas distorções à
leitura, como estas aparecem após um tempo médio de 10 a 15 minutos de leitura, eles pressupõem
que isto ocorra a todos – sem se dar conta de que a dificuldade é só deles - e mais ainda se
estiverem sob excesso de luzes fluorescentes, contraste, cores fortes, muito volume de texto por
pagina, letras menores e impressão em papel brilhante. O mais preocupante é que esta é exatamente
a situação em que se aplica a prova do ENEM - centenas de estudantes com Síndrome de Irlen não
identificada terão seu desempenho prejudicado pelo estresse visual e hipersensibilidade à luz,
cansaço progressivo e dificuldade em manter a atenção por tempo prolongado, com erros na
transferência de gabaritos e falta de compreensão por déficits na eficiência visual.
Classicamente, os profissionais envolvidos com a triagem, diagnóstico e tratamento dos Distúrbios
de Aprendizagem são os psicólogos, pedagogos, neurologistas, fonoaudiólogos, psiquiatras e
pedagogos, cabendo ao oftalmologista a identificacao e tratamento dos distúrbios visuais, um papel
incorretamente considerado secundário neste trabalho multidisciplinar. Tradicionalmente o
oftalmologista concentra sua atenção na aferição da acuidade visual, correção refracional quando
necessária, e identificação de patologias (catarata, glaucoma, estrabismo, etc). Porém a visão é o
sentido mais importante na aprendizagem, com uma dependência estimada em 80% até os 12 anos
de idade, e os impactos dos déficits neurovisuais são sempre significativos, e no entanto a sua
identificação pelo exame oftalmológico padrão seria insuficiente, pois o oftalmologista atual
privilegia a acuidade da visão e fatores ligados ao trabalho ocular, além de condições ópticas. Mal
comparando, seria como avaliar o computador (hardware), quando o paciente possui déficits no
processamento visual cerebral (software).
É relevante assinalar que o “conceito de visão” que o oftalmologista possui determinará a forma
como aborda as queixas e sintomas visuais dos pacientes com distúrbios de aprendizagem. As
conclusões geradas de seus exames e a forma como investiga as relações entre elas dependerão não
apenas do tipo de exame realizado, mas também de seu conhecimento clínico na área específica, das
queixas fundamentais, do direcionamento de sua anamnese e ainda de sua capacidade de interação
com os demais profissionais da área de saúde e educação, com os quais passará a se relacionar não
mais de forma passiva, mas como interventor e facilitador das decisões trans e multidisciplinares
que afetarão o futuro escolar desta população10.


Referências:
1- Irlen H. The Irlen Revolution. New York, Square One Publishers, 2010
2 - Irlen H. Reading by the colors. New York, The Berkley Publishing Group, 1991
3 - Guimarães MR, Guimarães JR, Guimarães R et all. Selective spectral fiulters in the treatment
of visually induced headaches and migraines: a clinical study of 93 patients. T 29. Headche
Medicine, 1 (2): 72, 2010.
4 - Meares,O. Figure/ground, brightness contrast, and reading disabilities. Visible
Language,14,13-29, 1980.
5 - Whiting,P.R. How difficult can reading be? New insight into reading problems.
J.Eng.Teach.Assoc. 49,49-55. 1985.
6 - Robinson ,G.L. and Miles,J. The use of colored overlays to improve visual processing – a
preliminary survey. The Except.Child. 34, 65-70.1987.
7 - Faria L N. Frequência da Sindrome de Meares-Irlen entre alunos com dificuldades de
leitura observadas no contexto escolar. [Tese Mestrado]. Belo Horizonte:Universidade Federal de
Minas Gerais, 2011.
8 - Tallal P. Auditory temporal perception, phonics and reading disabilities in children. Brain
Lang, 9(2): 182-98, 1980.
9 - Guimarães MR. Distúrbios de Aprendizado Relacionados à Visão. Rev Fund Guimarães
Rosa. 3(4): 16-9, 2009.
10 - Ventura, LO; Travassos, SB; Da Silva, OA; Dolan, MA. Dislexia e Distúrbios de
Aprendizagem. Rio de Janeiro, Cultura Médica, Cap.18 p.159-174, 2011.