Impulso suicida.

Diante de uma grata, porém inusitada conversa, resolvi rever algumas anotações, colagens e postar algo sobre esse impulso.
O Psicanalista, psiquiatra, psicólogo etc defronta-se freqüentemente com um dilema: como dialogar com pacientes suicidas?

A idéia de que "quem fala não faz" nem sempre é verdadeira no que diz respeito às tentativas de suicídio. Outra mitologia acerca do suicídio diz respeito a que não se deva valorizar as tentativas que pareçam ter sido feitas apenas para atrair a atenção do universo sócio-familiar; por serem potencialmente não-fatais não devem ser desprezadas e devem ser interpretadas como um pedido de ajuda que necessita de atenção e entendimento. A ótica importante a ser observada é que o individuo tenta tantas vezes que um dia pode ser bem sucedido, logo não é nada coerente e extremamente perigoso desprezar estes tipos de aviso.
É importante ressaltar que um substancial número de pacientes que tentaram um ato suicida procuraram um ´profissional de saúde alguns dias antes.

DEFINIÇÃO DE SUICÍDIO

Freud, dentro de uma abordagem psicanalítica, estabelecia que a auto-aversão vista na depressão originava-se da raiva em direção a um objeto de amor; raiva que a pessoa desviava para si mesma. O suicídio seria a expressão máxima desse fenômeno e não acreditava que houvesse suicídio sem o desejo reprimido de matar alguém. Uma abordagem bastante interessante pode ser encontrada em seu trabalho publicado em 1917 chamado Luto e Melancolia.





PACIENTE COM RISCO DE SUICÍDIO

Existe uma ampla gama de situações envolvendo o risco de suicídio , as quais variam desde ideações leves até o paciente que chega em coma por ingestão de medicamentos. A avaliação do risco de suicídio continua sendo um desafio e, geralmente mais importante do que buscar a causa do suicídio de imediato é sim o amparo ao paciente, pois mesmo que a premissa de suícidio seja inverídica, o apelo não deixa de ser patológico.


FATORES DE RISCO

Embora a conduta suicida tenha um espectro amplo, parece haver uma diferença no perfil dos pacientes que tentam suicídio e aqueles que realmente concretizam o ato, sendo os mais propensos:

  • pacientes com personalidade impulsiva
  • história de migração
  • ausência de convicção religiosa (católicos suicidam-se menos pelo perfil punitivo da sua ideologia, bem como a crença num destino controlado por um Deus onipotente e responsável pelos sucessos e frustrações da sua vida).
  • sentimento persistente de desesperança e pessimismo
  • perda de status sócio-econômico: fracasso profissional ou falência financeira.
  • acidentes que causem incapacidade física (p.ex paraplegia) ou impotência sexual.
  • acidentes que causem desfigurações, principalmente em mulheres.
  • ambivalência
  • fator desencadeante/estressante persistente
  • transtornos de personalidade (histriônico, borderline etc.)
  • transtorno bipolar: pode-se pensar no risco aumentado apenas na fase depressiva, mas o perfil impulsivo da fase maníaca traz cuidados particulares.
  • doenças do SNC como epilepsia, demência, AIDS etc.  

MANEJO DO PACIENTE QUE TENTOU SUICÍDIO

A primeira parte do atendimento de um paciente que tentou suicídio deve ser centrado sobre o manejo das complicações decorrentes tais como cortes, fraturas e intoxicações.
No caso de ingestao de medicamentos o nível de consciência é o primeiro aspecto a ser avaliado. A seguir devemos buscar informações acerca do tipo, quantidade, tempo decorrido e velocidade de consumo da medicação, bem como associações com outras drogas, álcool etc. Caso o paciente esteja em coma um diálogo com acompanhantes ou familiares é de fundamental importância. Recursos para diminuir a absorção devem ser tentados como indução de vômitos ou lavagem gástrica. O uso de substâncias antagonistas pode ser útil como é o caso do flumazenil nos casos de intoxicação por benzodiazepínicos.
Obviamente, devem ser tomadas as medidas cirúrgicas necessárias nos casos de suicídio associado a trauma (suturas, imobilizações gessadas ou, se necessário, até cirurgia reparadora), certamente em hospital ou centro médico legalmente constituido. É de fundamental importância o deslocamento (qualquer que sejam as causas) para entidade médica mais próxima.

A segunda parte do manejo do paciente suicida é a avaliação do risco de uma nova tentativa. O profissional deve levar sempre em consideração os itens discutidos acima no que se refere aos fatores de risco. Porém, muitas vezes, esta tarefa torna-se difícil por diversos fatores como:
  1. a seriedade do que está em questão: a vida ou a morte do paciente.
  2. porque o médico precisa definir não só um diagnóstico, mas também um prognóstico, cujas dificuldades são muito maiores.
  3. o médico, geralmente, vê o paciente na emergência, não o conhece previamente e o risco de suicídio pode ser o motivo da procura do atendimento.
  4. porque a decisão de internação pode significar a sobrevivência do paciente.
Essa avaliação de risco deve ser feita através de uma entrevista detalhada a ser realizada logo após a equipe de emergência ter sanado as complicações médicas pós-tentativa e o paciente apresentar condições de conversar com o médico. Na entrevista o paciente deve ser questionado direta e francamente se ainda tem vontade de acabar com a própria vida, se tudo está tão ruim a ponto de acabar com tudo, se ele tem planos feitos ou se o paciente conseguiria controlar-se. Muitas vezes o desabafo do paciente é o suficiente para tirá-lo de sua situação de angústia e sofrimento pessoal.

A terceira parte, e mais delicada, é a decisão de internar o paciente ou não. A internação inadequada pode trazer apenas prejuízos para o sistema e para o paciente, do mesmo modo que a não internação pode significar uma nova tentativa. Para evitar erros o médico deve seguir rigorosamente alguns critérios:
  • paciente está psicótico, com a presença de delírios, idéia de comando ou alucinações.
  • quando existe algum fator que interfere com o nível de consciência, impossibilitando a avaliação na emergência (p.ex intoxicação).
  • quando não existe modificação na ideação suicida, após intervenção junto ao paciente e a família.
  • pouco ou nenhum suporte familiar.
  • tentativas freqüentes ou em escalada.
Desde que as indicações acima sejam descartadas, pode-se partir para um acordo envolvendo o médico, paciente e familiares, numa espécie de "pacto anti-suicida" , que também deve respeitar alguns princípios:
  • o paciente sente que os impulsos estão sob controle.
  • refere poder comunicar quando sentir uma piora do quadro de ideação suicida.
  • se dispõe a realizar consultas freqüentes.
  • o médico dispõe-se a atendê-lo em qualquer momento numa linha de contato direto.
  • reduzir fatores estressantes ou que desencadearam a tentativa.
  • garantir apoio incondicional dos familiares e amigos.
  • construir um apoio realista no qual o paciente possa reconhecer um motivo legítimo para o suicídio.
  • oferecer alternativas para o suicídio.
  • manter o paciente sob vigia e longe de armas, medicamentos, cordas, mangueiras de chuveiro, janelas ou qualquer outro objeto que possa predispor o paciente a um novo ato.
  • não deixar o paciente tomar decisões importantes. O paciente está desequilibrado e uma decisão mal tomada pode ser motivo de uma nova tentativa de suicídio.
  • evitar comentários que transformem o ato em algo como "fraqueza pessoal", "covardia" e outros.
É importante ressaltar que a não internação representa um tratamento menos traumático para o paciente perante os familiares, a sociedade assim como para ele próprio, aumentando consideravelmente sua esperança em recuperar-se.
Outro aspecto de crucial valor é a recuperação do paciente após um estado de depressão. Pacientes apresentam aumento do risco de auto-aniquilação quando aparentam melhora da sua condição clínica; isto é, quando o retardo psicomotor já começou a responder ao tratamento, mas o núcleo de depressão vital (humor e pensamento) ainda domina o psiquismo do paciente. Portanto, o início da recuperação de um paciente depressivo que apresenta fatores de risco importantes para uma nova tentativa é um período que requer cuidados psicanaliticamente redobrados.

SUMARIZANDO
  1. Quando da chegada do paciente com suspeita de tentativa de suicídio, a prioridade é para os cuidados clínicos, que devem incluir testes para detecção de intoxicação por drogas, além dos cuidados cirúrgicos quando há trauma associado.
  2. Tentar obter o máximo possível de informações com acompanhantes, sobre fatos imediatos e mediatos.
  3. avaliação conclusiva somente após a desintoxicação ou estabilização dos transtornos causados pela tentativa.
  4. pesquisa de transtornos psiquiátricos e fatores estressores deve ser extensiva.
  5. avaliar cuidadosamente fatores de risco.
  6. sempre perguntar diretamente :
    - quer se matar?
    - acha que viver não vale mais a pena?
    - ainda tem algum plano para cometer suicídio?
    - conseguiria controlar os impulsos?
  7. Internar ou fazer "pacto anti-suicida".

Um ótimo final de semana a todos.


BIBLIOGRAFIA:
  1. NOBRE DE MELLO AL - PSIQUIATRIA. 3 Ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1979.
  2. NUNES P, BUENO JR e NARDI AE - Psiquiatria e Saúde Mental. São Paulo: Editora Atheneu, 1996.
  3. TABORDA JGV, PRADO-LIMA P e BUSNELLO - Rotinas em Psiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
  4. JASPERS K. Psicopatologia Geral. 2 Ed. Rio de Janeiro: Atheneu. 1979.
  5. KAPLAN HI, SADOCK BJ & GREBB J -Kaplan and Sadock’s synopsis of psychiatry. 7th Ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1995.
  6. LAPLANCHE & PONTALLIS, Martins Fontes, 1924.